terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Desta janela em que me abismo



lá fora numa manhã parada de horas murchas
sente-se o estado geral de inquietação um silêncio
como é hábito no tempo que precede as provações
ramos d’árvores pendem mudos desinteressados
o Sol não derrama ainda os habituais fios doirados
sobre o cinzento pardo das manhãs empasteladas

debruçado sobre o mundo a meus pés erguido
oiço o marulhar do abismo cavo e gurgitante
coração bate, bate com surpresa aflita e muda
como se o espaço implodisse sob o chão que me sustenta
e o tempo retardasse e só ao de leve me tocasse
exangue e anémico estando em vias de parar

não sei se é a mim e por mim que estas coisas vêm
que acantonado na insignificante concha primordial
de tudo desenganado e já tocado pela sorte cruel e nua
me entreguei derrotado e submisso ao destino
cerro os olhos o coração pára e oiço o restolhar do mundo
a retirar com armas e bagagem para os cantos do universo

não sei se é só o mundo que me vai abandonar
pressinto-o a refluir para a distância infinita
arrastando consigo casas, árvores, animais e lugares
deixando-me indefeso e solitário nas mãos do nada
este nada que sempre foi a prancha do ser
a vogar sobre as águas indistintas e primordiais

6 comentários:

bettips disse...

Como se se escoasse água por um ralo enorme, do mundo, das palavras fúteis?
Há manhãs que são despidas e agudas. Surdas também.
Um vórtice de pensamentos.
Bate bate coração. Fecha os olhos e dorme, adormece e amortiça-te com a terra.

Obrigada, estou no último parágrafo... claro! mas achei graça à tua litania.
Leva um abraço, sossegado de entendimento, para casa.

Maria P. disse...

Adorei o teu comentário:)

Concordo tanto com a última parte, que passem depressa estes dias, para voltarmos a nossa normal amizade sem estas
palavras "obrigatórias"...

Mas que tenhas um Feliz Natal, todos os dias...

Beijinho e abraços:)

poetaeusou . . . disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
poetaeusou . . . disse...

*
Uma feliz Quadra
lembrando, os …
,
Tu que dormes a noite na calçada de relento
Numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
És meu irmão amigo
És meu irmão
,
In - P. Carvalho
,
Conchinhas de Luz
,
*

Licínia Quitério disse...

Um apressado abraço de Natal que vou dentro em pouco entrar na recta que leva aos repastos festivos.

Fica bem, Amigo, e agarra o mundo que aí está à tua volta e dentro do teu coração.

Um beijinho estrelado*****

Justine disse...

Visão apocaliptíca, mas nem por isso menos sedutora, deste tempo despido de sentido.
Que vivam então os gestos primordiais. Como os de amizade.
Abraço-te

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